segunda-feira, 15 de junho de 2009

Fatwa

Ontem à noite estava a ver TV para ver se ganhava sono quando dou com um documentário sobre o Salman Rushdie e o pesadelo em que se tornou a sua vida após publicar os Versículos Satânicos. O Salman é um escritor inglês de ascendência indiana que conhece bem a cultura islâmica já que vem de uma família que segue essa fé apesar de ele próprio ser ateu. A história central daquele livro é sobre o conflito interior de dois imigrantes que rejeitam as tradições indianas mas ao mesmo tempo só se sentem completos e em casa no país dos seus antepassados. Mas onde a porca torce o rabo é quando o escritor se põe a dissertar e até ridicularizar o Corão e Maomé numa série de historietas paralelas que aparecem aos protagonistas em sonhos. Numa delas fez das muitas esposas de Maomé "funcionárias" de um bordel, noutra o próprio Maomé, enquanto dita o Corão a um empregado, tendo recebido a "Palavra" do arcanjo Gabriel, decide ajustar a história porque alguns pormenores não lhe parecem bem 'au point' e ainda há uma rapariguita que fica em transe ou êxtase com uma revelação do arcanjo e decide levar a aldeia toda em peregrinação da Índia até à Arábia Saudita sempre a aviar em linha recta - resultado: vejam o mapa.
Ora isto não caiu bem com o Ayatollah Khomeini, o Líder Supremo do Irão (quem me dera ter este título) que decidiu aplicar-lhe como que uma pena de morte pública, uma fatwa, ou seja qualquer bom muçulmano, se o visse nas compras, deveria gentilmente pedir à sua esposa que segurasse nos sacos e deveria de seguida fervorosa e brutalmente matar o infiel. Por causa da fatwa o Rushdie teve que ser guardado 24/7 pelos serviços secretos durante 10 anos e mudou de casa 57 vezes, até aquela ordem ser levantada após a morte do Ayatollah pelo seu sucessor.
Ora eu contei tudo isto não para falar do Ayatollah, que eu até compreendo, ele deve ter tido um educação muito rígida, devia estar constantemente rodeado de barbudos, se calhar a sirigaita/"miúda mais inocente e bela da aldeia" não lhe ligava pevide e provavelmente cresceu numa sociedade que não recompensava o mérito :) - além de ser uma ditadura - pelo que se tornou um fanático, mesquinho, maldoso e queria que fossem todos tão infelizes como ele.
O que eu não compreendo é aqueles milhares nas manisfestações a exigir a morte do Salman Rushdie, os que mataram alguns tradutores dos livros dele e até um famoso cantor recém convertido ao Islão, o Cat Stevens, a lamentar-se num debate na TV por o boneco que aquelas multidões estão a queimar não ser o verdadeiro de carne e osso ali a arder. Como é que tanta gente se deixa levar e enlouquecer desta maneira, a esquecer os seus valores e os sentimentos dos outros e a não respeitar o direito à diferença? Por que será que dum livro onde diz que todos os viajantes que estejam de passagem devem ser recebidos com a máxima hospitalidade ou que introduziu algumas noções de Estado Social como pensões, os fiéis decidem retirar precisamente o pior, e em directa desobediência à sua religião (Islão significa paz, em português), exigir e cometer actos hediondos - será a chamada psicologia de massas, será a pobreza, o ócio, o quê?
Enfim, foi isto que me deu que pensar; Delindro, repara que nem me deu para debater sobre se é inteligente seguir uma religião organizada, falei apenas do aspecto da alienação.
Digam de vossa justiça.

3 comentários:

CEO disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
CEO disse...

Antes de mais: este Nuno é um poço de cultura, mais um post com nota 20!!!

Quanto ao comentário do que falas. Antes de mais é necessário sair do ocidente e colocarmo-nos no centro da religião muçulmana e na cabeça dos fiéis que cresceram enquanto lhes eram incutidos esses princípios e mentalidade. Partindo desse ponto penso que o que relatas não é de todo incompreensível mas é concerteza reprovável. Enquanto cristão consigo distanciar-me do que dizem os "chefes supremos" e portanto também os muçulmanos deveriam de ponderar os seus actos, especialmente quando se trata de matar alguém... De certeza que as orientações espirituais do Corão não ordenam matar os infiéis, tudo não passa das interpretações que cada um faz.

É precisamente por estes casos que algumas religiões são vistas com desconfiança (para usar uma eufemismo) e conotadas com fundamentalismo.

André disse...

Fogo, com este post quase dupliquei os meus conhecimentos da cultura islâmica...

Pah, a vida humana tem um valor muito diferente nesses países...

E os líderes espirituais e políticos aproveitam a ignorância do povo para "martelar" mais uns quantos "mandamentos" que lhes dê jeito.